sábado, 17 de junho de 2017

Por que Buenos Aires?


Eu lembro que quando comecei comentar com as pessoas que estava vindo morar em Buenos Aires eu ouvia quase todos os dias a famigerada questã: “má vai fazê o que lá?”. E isso me incomodava um pouco. Eu não estava vindo para fazer um mestrado em comunicação, nem porque tinha sido contratada pelo Clarín, muito menos porque tinha me apaixonado por um argentino. Eu estava vindo porque queria e inicialmente essa justificativa não parecia suficiente. Quer dizer, para mim era, mas as pessoas não entendiam muito bem, por isso fui bastante planejada e me inscrevi num cursinho tosco de jornalismo de rock que durava dois meses. Passei a ter algo a dizer. Depois de umas semanas aqui, finalmente deixaram de perguntar isso. Porém, contudo, entretanto, a questão foi substituída por outra, que infelizmente será eterna.

“Por que Buenos Aires?”


Quem me pergunta, obviamente, são os próprios argentinos. Porteños, em geral. Especialmente aqueles que nunca foram capazes de prestar um pouquinho de atenção no lugar onde nasceram. Me perguntam isso em todos os lugares. Colegas de trabalho, os dates durante minha solteirice, o cara do plano de saúde, a dermatologista. Basta interagir comigo e descobrir que sou brasileira. É um pouco irritante. Sempre que vou falar com uma pessoa nova rezo a todos os deuses para que ela não se incomode em notar meu sotaque e perguntar de onde eu sou, porque sei que depois disso só piora, principalmente depois que escutam “Balneário Camboriú”. Hoje em dia eu só dou uma risadinha. Mas tenho vontade de dizer “ah tu quer saber mesmo por que Buenos Aires? Então senta aí que vou buscar o mate”. E logo começar a discorrer.

Como assim "por que Buenos Aires?"? Você já caminhou pela cidade olhando para cima, para os lados? Ali pelo microcentro,  por Recoleta, Belgrano, entre Cabildo e Libertador? Já olhou ao redor? Sério que nada te chama atenção? As paredes, os telhados, as janelas, portas, as cores, nada? Em quantos lugares você já foi e viu casas e edifícios tão lindos e bem conservados? Já caminhou pela Libertador de manhã? Prestou atenção quando passou de carro por Figueroa Alcorta? Quantas vezes você já comeu medialunas em um café com a roupa da noite anterior?
Já comeu uma porção de torta na Pani ou na Maru Botana? Já tomou um trago na Floreria Atlantico? E no Millium? Sabia aqui que tem um bar cujo acesso é como se você estivesse entrando em um metrô nova iorquino? E outro que parece uma farmácia antiga? E que aqui tem algumas livrarias-café incríveis?
Já comeu um hambúrguer no Burger Joint? Um pancho no Gringos? Um choripan na costanera sur? E a cerveja do Antares, já tomou? Em quantos países você pode provar um sorvete tão incrível, além dessa maravilha do ser humano chamada doce de leite? Em que lugar você pode encontrar em qualquer esquina, muitas vezes de madrugada, esse pedacinho do céu chamado alfajor?
Já foi correr nos lagos de Palermo em um dia de semana? Já sentou por ali, na grama, sozinho, só você com seus fones de ouvido? Já subiu no viaduto da faculdade de direito e ficou ali por uns segundos observando os carros passarem por debaixo dele num dia de chuva? Já comeu alguma das coisas estranhas que vendem no barrio chino?
Você provavelmente já visitou o Malba, mas já foi no museu ferroviário? No Evita? Já foi no museu Larreta e passeou pelo seu “jardim secreto”? Já caminhou pelas ruas de San Telmo numa tarde sábado e entrou nas galerias que vendem desde antiguidades até roupa e comida? Já pagou uma pechincha por um casaco incrível de segunda mão que vai te proteger do frio no inverno? Ah sim, aqui tem inverno. Nem todas as pessoas podem experimentar a sensação de ter quatro estações bastante distintas, sabia disso? Você não gosta de livrarias? De teatros? Já viu quantos existem por aqui?
Já percebeu que essa cidade é enorme, mas ao mesmo tempo não é muito difícil e nem muito caro se locomover dentro dela? Já viu o tanto de coisas que se pode fazer aqui? A quantidade de praças e lugares verdes? Já te contaram o quanto é barato e acessível, e ao mesmo tempo competente, o ensino por aqui? Alguma vez você já se deu conta de como cada bairro da cidade tem sua personalidade e beleza própria? Da quantidade de sotaques e idiomas que se pode ouvir em um simples passeio numa tarde de domingo?  


Sim, aqui também existem muitos problemas. Mas sabia que do país de onde eu venho existe uma guerra constante entre traficantes e traficantes, traficantes e polícia, traficantes e civis, polícia e civis, civis e civis, e que todos os dias morre gente inocente por causa disso? Te contaram que a situação política desse país é tão bizarra que eu não poderia sequer resumi-la? Que nem o roteirista mais criativo poderia pensar nas coisas que aconteceram e que seguem acontecendo por lá?  
Por isso Buenos Aires.
Por isso, por coisas que não escrevi para poder terminar esse texto em algum momento.
Por isso e por coisas que eu ainda não conheço, porque Buenos Aires é tão grande e tão incrível que uma vida é muito pouco para aproveitar tudo.

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