terça-feira, 18 de julho de 2017

Millennials do interior

Confesso que sempre que leio algo, geralmente escrito por alguém com mais de 50 anos, sobre os millennials sinto um misto de incredulidade e desejo incontrolável de rir. Digo isso porque eu, nascida em 1989, teoricamente faço parte dessa tão desprezível geração, mas honestamente me identifico muito pouco com os causos relacionados a ela. Principalmente essas historinhas cômicas contadas por gestores que contrataram um funcionário ou estagiário millennial. Segundo eles, nenhum de nós quer trabalhar, não temos responsabilidade, não temos consideração por nada nem por ninguém, não temos comprometimento, somos egoístas, não sabemos o que queremos, somos preguiçosos, nossos pais tem muito dinheiro e nos chamamos Enzo ou Valentina.
Para começar, saibam que esses dois nomes são  posteriores à geração Y, que é cheia de Camilas, Carolinas, Matheus e Thiagos, além de uns nomes estranhos que nossos pais tiraram de novelas da Globo, que é o meu caso. Não consigo pensar em nada menos millennial que ter um nome usado por Claudia Abreu quando interpretava uma princesa em “Que rei sou eu”, mas isso poderia ser uma exceção, então vamos lá.
Eu nasci em uma cidade de 60 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul. Eu só cheguei perto de um McDonalds em 1998, quando estávamos viajando em família para Maringá e minha irmã comprou um McLanche Feliz pra mim. Eu nem sabia o que era. Nessa época eu vivia em uma casa de madeira relativamente grande, com um pátio enorme de grama bem verde, nenhuma das nossas duas TVs tinha cabo, só uma tinha controle remoto, ninguém da família tinha celular, recém começávamos a ouvir CDs, o telefone fixo tinha sido instalado havia pouco e eu mesma arrumava o lanche que levava pro colégio. O Rider do meu pai frequentava minhas nádegas com certa periodicidade e o mais longe que eu já tinha ido era justamente o estado do Paraná.
Tive TV a cabo recém aos 13 anos e internet banda larga em casa aos 16. Até os 17 vivi nessa mesma cidade, que continuava sem ter McDonalds, que recebia somente shows do Jota Quest e Charlie Brown Jr. em feiras agropecuárias, que não tinha shopping e que tinha um único cinema (que na verdade era no centro cívico municipal). Tudo o que eu sabia a respeito do que acontecia de interessante no mundo era, primeiro, graças à revista Capricho e depois graças à internet e à MTV.
O mais millennial que passou em minha vida veio em seguida. Fui estudar em outro estado e meus pais pagavam o aluguel do apartamento onde eu morava com a minha irmã e também nossas faculdades em uma universidade comunitária (ou seja, mais barata que uma privada). Mas infelizmente não tão millennial a ponto de ter uma extensão do cartão de crédito do meu pai para poder comprar o que eu quisesse. Para isso, tive que arrumar meu primeiro emprego, com 17 anos, meio período, não registrado. Eu atendia o telefone de uma clínica odontológica. E também limpava o sangue que desconhecidos cuspiam. Só saí oito meses depois porque a mãe do dentista sempre dizia que eu deixava um montinho de sujeira atrás porta do banheiro, quando na verdade era seu próprio filho que fazia isso. Cansei de ser acusada injustamente e fui muito millennial ao pedir demissão. Uns meses depois, fui trabalhar em uma loja de produtos naturais recém inaugurada em um shopping. Imagino que você saiba o que significa trabalhar em um shopping. Empresárias de primeira viagem, as donas, mãe e filha, gritavam com os funcionários diariamente na frente dos clientes. Depois de três meses e muitos fins de semana perdidos, eu fui novamente muito millennial ao deixar esse trabalho também. Por sorte apareceu um estágio um mês depois, meu primeiro estágio, que alegria! Só que no primeiro dia me colocaram para atender telefone, e nos dias seguintes fiz trabalho administrativo. Não dei um pio. Era muito melhor que limpar sangue com baba ou passar o domingo inteiro aguentando uma louca gritar “É PRA ONTEM!” na minha cara. Fiz muito pouco de jornalismo ali, mas fiquei quase um ano e meio. Desses donos de agência de publicidade que reclamam da inoperância dos “millennials”, quantos já tiveram que catar dente ensanguentado alheio?
Dito isso, favor não confundir millennial com mimado, que é o que claramente as pessoas estão fazendo. Aparentemente tudo isso que reclamam da geração Y tem muito mais a ver com criação do que com nascer em determinada época. E principalmente com o tanto de dinheiro que os pais tem para bancar um filho que abandonou três faculdades e dois estágios porque “não se adaptou”. Ou para presenteá-lo com um ano sabático na África do Sul até ele decidir o que quer fazer da vida.
Quando você nasce e cresce em uma cidade onde os cursos superiores disponíveis se resumem a ciências contábeis, administração e pedagogia, em uma família que não teve muito mais que o suficiente para viver, a mais millennial das suas atitudes vai ser insistir em fazer a faculdade que você realmente quer, em outra cidade. E depois que você consegue terminar essa etapa, não tem viagem para Europa para descansar dos cinco anos de estudo, não tem ano sabático, não tem apartamento pago, não tem mesada, não tem extensão do cartão de crédito da mami. Tem só outra preocupação: arrumar um trabalho para poder pagar a sua parte de um apartamento dividido e a fatura do seu próprio cartão de crédito. Ou para quem sabe um dia, em muitos anos, poder viajar para Europa ou mesmo tirar um ano sabático. E se você não gosta do seu trabalho não há muitas alternativas. Você continua nele e no máximo se permite chorar no banho enquanto espera a ligação de alguma das 23 empresas que você mandou o currículo.

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